Evolução do modelo de negócios

O Itaú Microcrédito tem sua origem na Microinvest 26, empresa fundada em janeiro de 2003 e tendo por sócios controladores o Unibanco S/A (82%) e o IFC, braço financeiro do Banco Mundial para o setor privado (18%) 27. Entre 2004 e 2008, a Microinvest passou por duas etapas institucionais: a primeira marcada pelo modelo de negócios próximo ao da Fininvest, principal financeira do Grupo Unibanco, voltado ao mercado-alvo de baixa renda, porém em um canal mais posicionado para o crédito a consumo; e a segunda fase (entre junho de 2006 e janeiro de 2008) marcada pela revisão global do modelo inicialmente adotado. Contudo, a fusão entre o Itaú S/A e o Unibanco S/A, a partir de outubro de 2008, iniciou uma terceira fase para a Microinvest, agora inserida na governança do novo conglomerado sob nova marca: Itaú Microcrédito. Esse período 2008 - 2011 servirá de base para o caso aqui discutido 28.

Cenário externo: tendências de mercado
- Altos custos relativamente às receitas e o desafio de ganhos de escala

Um importante desafio no microcrédito é torná-lo sustentável financeiramente. Estudos apontam que um dos maiores empecilhos para o avanço do microcrédito são os excessivos custos de transação das operações a serem efetuadas com as camadas mais pobres da população, devido à falta de garantias reais e à necessidade de que se adquira escala para a diluição de custos fixos . Além de alto relativamente às receitas, a maior parcela do custo de transação diz respeito aos recursos humanos, verificando-se maiores limitações para o aumento de produtividade na expansão do crédito. A busca por ganhos de escala em contrapartida expõe a carteira a maiores riscos de inadimplência. Esse quadro gera desinteresse nos bancos comerciais, pouco familiarizados com metodologias mais adequadas a essa atividade.

O governo exige que 2% dos depósitos à vista dos bancos múltiplos comerciais sejam destinados ao microcrédito; caso contrário, esses recursos são retidos em conta não remunerada no Banco Central . Ainda assim, alguns bancos optam por recolher os recursos compulsoriamente ao Banco Central a operar com os riscos e custos do sistema de microcrédito 31.

Deve-se considerar, contudo, que as metodologias de aplicação variam entre os bancos, e com isso, varia também o grau de segurança com que se atingem ampliações de escala, o que se reflete nos índices de inadimplência. Frederico Celentano, consultor que vem apoiando a concepção da estratégia do Itaú Microcrédito desde 2006, explica que, sob a bandeira Microcrédito, muito foi feito sem aplicar a metodologia que lhe forneceria sustentação, já que não se trata simplesmente de um crédito pequeno voltado para a baixa renda. “O que caracteriza o microcrédito são os processos e metodologias que permitem a concessão segura de crédito para populações excluídas do sistema financeiro, ou incluídas com produtos caros e inadequados”, observa.

O grande desafio, portanto, é equilibrar o crescimento com a qualidade da carteira. Ganhos de escala devem ser perseguidos com segurança – tanto para o banco quanto para o tomador de empréstimo.

- Conjuntura desfavorável ao modelo existente

O modelo de negócios adotado pelas duas financeiras do Grupo Itaú Unibanco – Fininvest e Taií – passou a mostrar seus limites a partir da segunda metade dos anos 2000, frente à nova configuração do mercado. Esse modelo, que anteriormente aceitava uma inadimplência elevada, compensada por taxas de juros altas, entrou em crise com a expansão de produtos de crédito mais baratos (como o crédito consignado) e a entrada de novos atores, com o consequente aumento da concorrência e do endividamento cruzado da clientela. O resultado foi a deterioração da qualidade das carteiras de crédito, a diminuição significativa das margens e um aumento substancial das perdas.

Além dessa transformação significativa no mercado de crédito brasileiro voltado para o segmento de baixa renda, outro fator de forte impacto foi a crise financeira do final de 2008 – quando o Itaú Microcrédito, assim como todo o Grupo Itaú Unibanco, defrontou-se com uma tendência à deterioração da qualidade das carteiras de crédito. Com expectativas negativas, os melhores tomadores de crédito saíram temporariamente do mercado e suspenderam sua demanda de créditos para investimentos, tornando o mercado restrito aos clientes mais endividados, interessados em empréstimos para rolar dívidas existentes ou manter a capacidade de compra de insumos.

Essas duas tendências do mercado tiveram destaque na orientação das ações do Itaú Microcrédito.

Contexto interno: fusão e transformações

Em outubro de 2008, o Unibanco, empresa controladora da Microinvest S/A, realizou uma fusão com o banco Itaú S/A, dando origem ao maior conglomerado financeiro da América Latina. A fusão trouxe transformações substanciais que impactariam a estratégia da então Microinvest, futuro Itaú Microcrédito.

Ao cenário de mercado exposto somava-se a inadequação da estrutura de custos interna para atender o público de baixa renda, com um modelo baseado em agências e lojas cuja implantação e manutenção eram muito caras para atender uma clientela cujos tickets médios (valor médio de transações) são baixos. O modelo demonstrou ser economicamente inviável, levando o Itaú Unibanco a optar pelo fechamento de suas duas financeiras – Fininvest e Taií. Essa medida privou o Itaú Microcrédito de seu principal canal de distribuição, eliminando a estrutura logística de seus agentes de crédito.

- Desafio posto: estabelecer uma cultura de microfinanças

O contexto descrito, agravado principalmente pela crise financeira de 2008, freou o processo de expansão do Itaú Microcrédito. Esse fator, aliado a um aumento na carteira em risco, provocou o chamado para a reestruturação de seu modelo de negócios.

O Itaú Microcrédito recebeu do novo conglomerado a orientação estratégica de buscar um meio de distribuição autônomo, independentemente de qualquer canal do Grupo e, ao mesmo tempo, que apresentasse baixo custo fixo, baseado no uso de tecnologias que permitissem operações "branchless" – a distância, independentemente de agências ou lojas.

Para que se firmasse como uma experiência que mereceria atenção do novo Grupo, o desafio que se apresentava ao Itaú Microcrédito era implantar uma verdadeira cultura de microcrédito, buscando uma carteira de crédito com boa qualidade e um modelo de originação de clientes independentes das financeiras do Grupo e, mais amplamente, de qualquer outra empresa do Grupo. A justificativa dessa última orientação parte da ideia de que a especificidade do modelo de negócios do microcrédito exige políticas e práticas que não se adaptam ao modelo de distribuição massificado das outras empresas do Grupo Itaú Unibanco.

Assim, a revisão das políticas e práticas, a implementação de um novo modelo de capacitação e o acompanhamento em campo das equipes se tornaram um imperativo para que o Itaú Microcrédito afirmasse a viabilidade de seu projeto dentro do Grupo.