O modelo em perspectiva

Desafios observados

A proposta de gestão participativa do Energia Social apresenta alguns desafios iniciais. Para que a participação seja efetiva, o plano do Programa requer que haja antes a qualificação e capacitação dos integrantes das comissões temáticas e do próprio governo local para compreender o que é sustentabilidade e o que significa um programa de desenvolvimento local. Essa etapa se mostrou fundamental para o ajuste das expectativas locais, que geralmente giram em torno de projetos assistencialistas e com visão de curto prazo.

O investimento nesse período de capacitação foi uma quebra de paradigma com o BNDES, aprovado após muito debate, já que o banco exige que os recursos sejam aplicados com maior rapidez nos projetos. “Esse não é o tipo de projeto em que se consegue aplicar tudo em dois anos, porque o primeiro ano é de educação. Discutimos os Objetivos do Milênio, a Carta da Terra, Agenda 21, o município sustentável – ‘como seria Caçu Sustentável em 2020?’. Esse período é muito importante para o município porque os prefeitos já têm seus projetos aguardando verba”, contextualiza Carla.

Além dos aspectos educacionais, o processo participativo em si requer outro ritmo para a tomada de decisões e aprovação de projetos, o que pode gerar desmotivação e traz o constante desafio de manter a frequência e a qualidade das participações nas comissões temáticas.

Nesse contexto, um aspecto crítico a ser gerenciado é a expectativa do poder público local – lembrando que se trata de uma empresa recém-chegada ao município – que recai diretamente sobre o superintendente da unidade da ETH, o qual precisa ter seu compromisso com o Programa reforçado para que solicitações das autoridades locais não sejam atendidas sem passar pelo processo de aprovação existente. Isso exigiu a centralização inicial do controle de verbas na área de sustentabilidade corporativa, a qual precisou ter um posicionamento forte, apoiado pela vice-presidência e coordenado com as unidades locais. Qualquer solicitação de verbas à ETH precisa passar pelo Programa Energia Social. “E veja a dificuldade no início do programa, porque um superintendente quer ter um bom relacionamento com o prefeito. Ele é pressionado e precisa manter uma postura, porque, se ele facilitar o atendimento ao prefeito, sem discutir com a comunidade, acabou o Programa”, relata Carla.

Em suma, esse primeiro ano investido em educação – ainda que questionado por diversos integrantes que esperavam que os projetos se realizassem mais rapidamente, inclusive da própria ETH local – revelou-se importante para que a ONG facilitadora adequasse as expectativas e as responsabilidades da comunidade, do governo local e da própria empresa, já que a ideia não era assumir as responsabilidades do governo local. O entendimento almejado era que fossem desenvolvidos projetos dentro do escopo e diretrizes do Programa, o que requer o esforço de cada participante para que se chegue a decisões de consenso e à concepção do projeto tendo em mente a autossustentabilidade e a sustentabilidade local.

No processo como um todo, um elemento que veio à tona – e certamente não é privilégio do contexto local do Energia Social – é a dificuldade das pessoas de colocarem em prática o conceito de pensar o "bem comum", ou aquilo que mais se aproximaria do interesse coletivo. A empresa relata o aparecimento de projetos de interesse individual ou de grupos específicos, ou mesmo de ONGs específicas, o que não seria em si um impedimento se eles coincidissem com o interesse da comunidade e seus proponentes não desvalorizassem projetos que não sejam os de suas próprias instituições de origem. As comissões devem sempre estar atentas para que se evite essa situação, relembrando aos participantes as prioridades do município levantadas por eles próprios no início do Programa – e dadas as visões divergentes, a ideia é que se trabalhe para chegar em um consenso.

Carla levanta esse aspecto como um dos mais complicados, ainda que o propósito da representatividade seja esclarecido desde o início: “Como o representante da comunidade pode representar de fato a comunidade, e não sua própria instituição? É também difícil para eles reconhecerem que devem dialogar com a comunidade sobre o que eles estão fazendo no Programa, consultar sobre questões em pauta para então embasar suas posições perante a Comissão”. A dinâmica da representatividade não é facilmente estabelecida e requer o amadurecimento e a apropriação dos mecanismos disponíveis pela própria comunidade.

Outra questão delicada é a proximidade do período eleitoral, quando há uma mudança no foco do governo local, exigindo cautela e até a suspensão temporária das atividades e da relação política local para evitar que o Programa seja utilizado como plataforma de algum partido ou candidato.

O sucesso do Programa depende fundamentalmente da participação tanto da comunidade quanto da prefeitura e da própria ETH. Segundo Carla, o fato de o programa ter obtido reconhecimento externo, incluindo três premiações, foi importante para validar o esforço e ressaltar seu significado, permitindo o reconhecimento interno de que valia a pena investir no processo participativo (note-se que, além da participação do superintendente e do gerente de pessoas locais no Conselho Comunitário, cada Comissão Temática possui integrantes da ETH que devem participar de reuniões mensais).

Com a prática, os superintendentes começaram a enxergar valor em ter contato mensal, olho no olho, com o prefeito e a comunidade. “Ali [o superintendente] tinha um espaço e a oportunidade de discutir questões da ETH com a prefeitura, de receber demandas e esclarecer dúvidas da comunidade em relação ao empreendimento, divulgar novas contratações etc. Criou-se um laço que não havia, principalmente porque as unidades são novas. As pessoas se veem na rua, se conhecem”, diz Carla.

Soma-se a isto o fato de os indicadores de interesse da ETH já mostrarem resultados positivos. Além da maior confiança e reconhecimento da seriedade da empresa, Carla destaca que 75% das pessoas da comunidade qualificadas pelo Programa acabam sendo contratadas pela ETH. Outro exemplo é o turnover, que teve um período elevado nas novas unidades, em razão, em parte, da não adaptação aos municípios, e passou e se reduzir possivelmente favorecido pela perspectiva de melhoria da infraestrutura local (UTI neonatal, ponto de cultura etc.) estimuladas pelo Energia Social.

Resultados preliminares

O esforço dedicado à capacitação do grupo já começa a gerar frutos. Como resultado do programa, Carla destaca uma evolução na maturidade da comunidade: “A primeira coisa que salta aos olhos é o quanto eles já conhecem sobre sustentabilidade. As pessoas no começo sequer conheciam essa palavra. Notamos as mudanças qualitativas: as pessoas já se questionam se determinado projeto é assistencialista. Já há uma mudança na fala, eles vêm mais preparados, já conseguem discernir seu próprio papel, qual o espaço da prefeitura e qual o da ETH – já que a ETH está disposta a fazer. Eles já percebem onde o projeto emperrou, vão lá e cobram”. Há também um entendimento de que não é um problema da ETH resolver toda a provisão de recursos, a comunidade deve procurar outras fontes e buscar autonomia. “Nos esforçamos para fazer com que eles se apropriem desse espaço, eles são os maiores beneficiados com o Programa”, diz.

Cada projeto inclui indicadores de quanto se consegue alavancar de recursos públicos ou privados além dos aportes da ETH, apontando o potencial do Programa em multiplicar os recursos investidos na comunidade.

São realizadas oficinas de avaliação dos resultados do ano, e o balanço às vezes surpreende. “O governo é o que mais participa, porque entendeu que, se quiser solicitar algo da ETH, o fórum para a conversa é aquele [inclusive com o superintendente]. Nos municípios onde a participação da comunidade foi baixa, a própria comunidade percebe que isso não faz o menor sentido. As fichas de autoavaliação quanto à participação são críticas”, relata Carla, acrescentando que nesses balanços ocorre de o grupo local realimentar o Programa com energia. Na reunião de avaliação de Perolândia, por exemplo, houve uma virada inesperada na mobilização dos participantes. Com a suspensão das atividades durante o período eleitoral – visando proteger o uso indevido dos projetos do Programa e da associação com a empresa – a visão inicial era de que esteve tudo parado. Com o balanço da reunião de avaliação, porém, o grupo se entusiasmou para apresentar o projeto para o novo prefeito assim que empossado e engajar as novas equipes desde o início.

Um aprendizado do Programa para as comunidades é a importância de que determinados projetos tornem-se uma política pública, assegurando sua continuidade ao longo de diferentes mandatos políticos. Diversos projetos foram encaminhados à Câmara de Vereadores local com esse objetivo, principalmente no caso do gerenciamento de resíduos sólidos, reforçando a adequação à política nacional. “Teodoro Sampaio foi o primeiro município a tomar essa iniciativa. Fizemos [no âmbito do Energia Social] o programa de gerenciamento de resíduos sólidos; a prefeitura aprovou; ajudamos na elaboração do projeto para levantar recursos e eles conseguiram verba do Estado para implantar a coleta seletiva. Mas, para que o próprio prefeito garantisse a continuidade, o projeto deveria se tornar uma política pública. Na comissão temática (de Segurança, Saúde e Meio Ambiente) foi elaborada uma minuta de política, aprovada pela Câmara de Vereadores no final de 2012, tornando-se uma lei que define os recursos, os referenciais e ratifica o plano de gerenciamento integrado de resíduos do município de Teodoro Sampaio”, conta Carla.