Desequilíbrios Sociais

Estamos num momento em que a humanidade, espécie bem-sucedida pelo seu poder de adaptação e interferência no meio, atingiu a marca de 7 bilhões de pessoas no planeta. Os desafios da nossa geração são enormes, porque esse crescimento não se deu homogeneamente, o que provoca fontes de conflitos em todo o mundo.

Algo comum também a outras espécies é que, quando os organismos se deparam com adversidades, a tendência é se reproduzirem mais, a fim de manter a longevidade das linhagens. Nós humanos, inseridos nessa lei natural, nos comportamos da mesma maneira. Logo, ocorre uma maior reprodução, um maior crescimento populacional, exatamente nas comunidades e nações menos desenvolvidas.

A partir de 1990, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) passou a aferir o Índice de Desenvolvimento Humano dos países com a intenção de ter um enfoque mais abrangente para a quantificação do desenvolvimento, não se atendo apenas aos fatores econômicos, conforme apontado pelo PIB.

O IDH, composto por três pilares (saúde, educação e renda), conforme o PNUD (2012), atualmente é calculado da seguinte maneira:

  • Uma vida longa e saudável (saúde) é medida pela expectativa de vida.
  • O acesso ao conhecimento (educação) é medido por: i) média de anos de educação de adultos, que é o número médio de anos de educação recebidos durante a vida por pessoas a partir de 25 anos; e ii) a expectativa de anos de escolaridade para crianças na idade de iniciar a vida escolar, que é o número total de anos de escolaridade que um criança na idade de iniciar a vida escolar pode esperar receber se os padrões prevalecentes de taxas de matrículas específicas por idade permanecerem os mesmos durante a vida da criança.
  • E o padrão de vida (renda) é medido pela Renda Nacional Bruta (RNB) per capita expressa em poder de paridade de compra (PPP) constante, em dólar, tendo 2005 como ano de referência.

A discrepância existente nas condições de vida entre os países (exemplos na tabela 5), onde, aproximadamente, 50% apresentam IDH médio ou baixo, além dos desequilíbrios internos naqueles que apresentam IDH alto, como no Brasil, provoca conflitos de ordens distintas e impactos ambientais. Essa percepção foi tratada no Relatório de Desenvolvimento Humano 2011 do PNUD, que abordou em profundidade as relações entre equidade e sustentabilidade.

Tabela 5 - Ranking de Índice de Desenvolvimento Humano no Mundo – alguns exemplos das variações

Fonte: Relatório de Desenvolvimento Humano Global PNUD, 2011

O Banco Mundial fez uma análise sobre o desenvolvimento do mundo, focando em conflitos e segurança. Como resultados, concluiu que os estados afetados por conflitos e frágeis estão vivenciando violências conectadas que ultrapassam fronteiras, principalmente devido ao tráfico e ao crime organizado; estresses internos (desigualdade, legados de violência e trauma) e externos (choques econômicos, interferência estrangeira) deixam países com pouca possibilidade de solução; um déficit em apoio internacional que seja coerente, flexível e com foco (WORLD BANK, 2011).

Atualmente, existem 56 países em guerra, 217 milícias, guerrilhas ou grupos separatistas envolvidos e 19 grupos de países em conflitos por independência ou separação, de 195 países existentes (dos quais 192 fazem parte da ONU). Isso significa que quase 30% dos países estão em guerra, e o número de países com algum tipo de conflito superaria os 50%.

Figura 1 - Mapas dos conflitos no mundo

Fonte: Disponível em: http://www.monde-diplomatique.fr

O relatório elaborado pela ONU em 2011, tratando dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, afere o progresso do mundo com relação às metas estabelecidas, que são:

  • Erradicar a extrema pobreza e a fome.
  • Atingir o ensino básico universal.
  • Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres.
  • Reduzir a mortalidade infantil.
  • Melhorar a saúde materna.
  • Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças.
  • Garantir a sustentabilidade ambiental.
  • Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.

Conforme o relatório, em 2005, na África Subsaariana, 51% de pessoas vive com menos de 1,25 dólar por dia e 27% da população em regiões em desenvolvimento, que correspondem a 1.4 bilhão de pessoas. A taxa de empregabilidade pela população em 2010 foi de 54,8 em regiões desenvolvidas e 62,7 em regiões em desenvolvimento. De 2000 a 2007, o percentual de famintos no mundo se manteve em 16%, apesar dos avanços em redução da extrema pobreza, mas, desde 2000, 20 milhões de pessoas tornaram-se subnutridos. Ainda se mantém uma situação: a quantidade de alimentos produzida é suficiente para todos, mas mal distribuída.

Quanto à educação, a situação é desigual. Das crianças fora da escola no mundo, 48% estão na África subsaariana e 4% na América Latina. O número total, contudo, caiu de 106 milhões de crianças sem educação em 1999 para 67 milhões em 2009. Várias dessas crianças são de locais em conflitos bélicos ou políticos, ainda com desvantagens sexuais no caso de mulheres nos países asiáticos. A questão da igualdade de gêneros é um desafio histórico da humanidade.

O número de mulheres em empregos fora da agricultura aumentou de 35% para 40% no mundo, mas a crise econômica desacelerou o progresso. A situação no norte da África, contudo, praticamente não mudou.

Até janeiro de 2011, as mulheres ocupavam apenas 19,3% das cadeiras de lideranças políticas no mundo. Quanto ao atendimento em partos, apenas 65% dos nascimentos têm assessoria de profissional de saúde qualificado em países em desenvolvimento, em comparação aos 99% de países desenvolvidos em 2009.

Gráfico 4 - Empregados em posições fora da agricultura que são mulheres em 1990, 2009 e projeções para 2015 (percentuais)

Fonte: Relatório de Desenvolvimento dos Objetivos do Milênio, 2011.

Pela UNESCO, no Relatório Educação para Todos de 2011, a mortalidade entre crianças menores de 5 anos, por exemplo, caiu de 12,5 milhões em 1990 para 8,8 milhões em 2008. Entretanto, nos países em desenvolvimento, 195 milhões de crianças menores de 5 anos – uma em cada três – sofrem de desnutrição. A fome é, sem dúvida, uma questão mundial que persiste. De acordo com os dados da Food and Agriculture Organization (FAO) da ONU, o número de subnutridos ainda é crescente, embora proporcionalmente não o seja (ver figura 2 e gráfico 5). A maior parcela da população de famintos está no continente Africano, em países que sobrevivem da agricultura.

Figura 2 - Mapa com distribuição de população de famintos de 2005 a 2007

Fonte: Relatório de Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, 2011

Gráfico 5 - Número de subnutridos no Mundo, de 1969 a 2010

Fonte: Estado do Mundo, 2011

A urbanização é outra tendência civilizatória, que influencia várias políticas e cria uma série de soluções e dificuldades. No relatório do CEBDS Visão 2050, baseado nos dados de crescimento da população da ONU, em 2050, mais da metade da população do mundo será urbana (ver gráfico 6).

Gráfico 6 - Perspectivas de crescimento e urbanização

Fonte: Visão 2050

Com relação à disponibilidade dos recursos básicos, 20% da população não tem acesso à energia e 2,7 bilhões de pessoas ainda usam biomassa tradicional para aquecer e cozer alimentos, ainda longe do objetivo proposto pelo ODM de garantir a universalidade de serviços modernos de energia até o ano 2030. Na questão da água, 884 milhões de pessoas não têm acesso à água limpa e tratada e, quanto ao saneamento básico, são 2,6 bilhões de pessoas sem esse serviço.

Frente à disparidade na disponibilização de recursos econômicos e naturais nas sociedades em geral, proliferam pelo mundo movimentos com diversas bandeiras, organizados ou não, violentos ou não, dando voz às insatisfações e anseios por melhores condições de vida e participação mais influente dos cidadãos na condução dos seus destinos.

A seguir elencamos alguns movimentos e revoltas mais recentes:

  • A quantidade de Organizações Não Governamentais (ONGs) vem crescendo, e tratam de assuntos variados e muito oportunos, atuando em áreas voltadas ao resgate da cidadania de parte das sociedades que convive com algum tipo de vulnerabilidade, em assuntos como saúde, emprego, moradia, alimentação, educação, representatividade de minorias, direitos civis e criminalidade. Por exemplo, o número de ONGs nos EUA chega a 1.500.000, e no Brasil elas já são 338.000, conforme dados do IBGE de 2008.
  • No Brasil, diversas marchas ocorrem sob várias bandeiras, desde legalização de drogas, prevenção da violência urbana e liberação sexual até aumento da democracia e contra a corrupção. Como exemplo dessa última, foi aprovada a Lei da Ficha Limpa, que impede políticos envolvidos em corrupção de se candidatarem a cargos eletivos.
  • Occupy Wall Street é um movimento que teve origem no Financial District, na cidade de Nova Iorque, no dia 17 de setembro de 2011. É composto por estudantes, sindicalistas, imigrantes, professores, ativistas, entre outros que se mobilizaram contra a desigualdade, os sistemas político e financeiro e a corrupção nos Estados Unidos. O evento do dia 17/09/11 foi organizado por um grupo ativista canadense Adbuster, que já havia organizado outros movimentos semelhantes em outros locais no mundo.
  • Na União Europeia (EU), a crise de 2008 afetou de forma muito abrupta a economia das nações tais como Portugal, Espanha, Grécia e Itália. Os governos foram obrigados a cortar gastos e reduzir o ritmo de crescimento econômico para que conseguissem cumprir as metas impostas pelo acordo da UE. O custo dessas políticas afetou diretamente a população. Nos países citados, as taxas de desemprego aumentaram rapidamente, cortes de aposentadorias, redução do salário real, elevação do custo de vida, e vários cortes foram feitos nos gastos que o estado de bem-estar social europeu provinha. Isso acarretou inúmeras manifestações por toda a Europa, com questionamentos de quem seriam os principais responsáveis e beneficiados pela crise.
  • Em 2011 na Espanha, próximo às eleições municipais de 22 de maio, iniciou o movimento que se autodenomina 15M (devido a 15 de maio), buscando mudanças no sistema político e uma conscientização das lideranças e dos eleitores, que teve repercussão global. É o que chamavam de “um movimento pela real democracia”. Acreditam que os partidos políticos já não os representam. Através da rede social, com apoio inicial de 200 associações espanholas, fizeram uma convocação pacífica em cinquenta e oito cidades, quando seus integrantes foram para as ruas dando visibilidade a suas indignações.
  • Na Alemanha, em 2008, surgiu o movimento Zeitgeist, que, conforme suas próprias palavras, é uma “organização em defesa da sustentabilidade que realiza ativismo comunitário e ações de conscientização através de uma rede de atuação global e regional, projetos em equipe, eventos anuais, mídia e trabalhos de caridade”. A ideia é transformar em ações a possibilidade de mudar a sociedade através da ciência e da tecnologia, chamada “economia baseada em recursos”.
  • No âmbito das revoltas e manifestações, a Primavera Árabe é um conjunto delas, ocorridas no norte da África e Oriente Médio desde 2010 até os dias de hoje. Os movimentos consistem em reivindicações de maior democracia e modificações na estrutura política, além de serem fortemente ligados com a crise de 2008, que agravou a situação econômica desses países, provocando uma onda de insatisfações e a guerra civil na Síria.

Todas essas iniciativas, também, são expressões do desenvolvimento de um senso de identidade global. As insatisfações e reivindicações que transpassam fronteiras, que promovem os direitos humanos em distintos territórios disseminam sementes para uma reorientação do processo civilizatório mundial.