Aplicação da ISO 26000 – Diretrizes Sobre Responsabilidade Social

Durante os anos de confecção da ISO 26000, entre 2005 e 2010, por se tratar de uma norma fundamentalmente inerente à GRS, acompanhamos seu desenvolvimento com a intenção de compreendermos seu conteúdo e tendências. Entre 2010 e 2012, tivemos a colaboração especial da Anglogold-Ashanti, da Souza Cruz e da GERDAU, para o seu desenvolvimento e aplicação.

Objetivo

Este estudo teve como finalidade conhecermos o conteúdo da norma ISO 26000, quanto ao estabelecimento de um consenso internacional do que seja responsabilidade social (RS) e, ainda, desenvolvermos um instrumento que permitiria às organizações avaliarem seus níveis de adequação à mesma.

Metodologia

Para o desenvolvimento desta pesquisa, valemo-nos das seguintes etapas:

1ª - Estudo do conteúdo da norma ISO 26000.

2ª- Levantamento de sugestões para aplicação, com base na experiência da Anglogold-Ashanti com a NBR 16001.

3ª- Desenvolvimento de instrumento que permita avaliar o nível de adequação das organizações ao conteúdo da norma ISO 26000.

4ª- Sugestão de procedimentos para aplicação do instrumento.

5ª-Desenvolvimento de tabela que correlaciona os indicadores desenvolvidos para a norma, e outros propostos por sistemas e acordos afins.

Na primeira etapa acompanhamos o processo de confecção da norma, compreendendo seus itens de discórdias e entraves durante os diálogos internacionais, e estudamos detalhadamente o conteúdo resultante.

Posteriormente, como a norma não poderia ainda ter sido aplicada, procuramos nos valer da experiência da Anglogold-Ashanti com a adoção da NBR 16001, norma brasileira de sistema de gestão para responsabilidade social, que permite certificação, a fim de obtermos sugestões que pudessem orientar a experimentação da ISO 26000.

Na terceira etapa, após análise minuciosa do texto, desenvolvemos um instrumento que possibilitasse às organizações aferirem seus estágios de coerência com relação aos referenciais da ISO. A fase de aplicação desse instrumento nos permitiu sugerir um procedimento geral para seu uso.

Na última etapa, desenvolvemos uma tabela comparativa dos indicadores propostos no instrumento com outros sistemas e documentos de acordos internacionais, voltados para a promoção do desenvolvimento sustentável.

Desenvolvimento

A norma

Ao iniciarmos o trabalho mais dirigido à norma em 2010, ela ainda não havia sido concluída, pois até então estávamos acompanhando sua elaboração.

Aqui, não entraremos no processo da sua confecção, pois o mesmo já foi comentado no capítulo que tratou dos temas emergentes. Abordaremos um pouco mais do seu conteúdo.

O quadro 6, adaptado da própria norma, traz uma breve descrição das suas principais seções.

Quadro 6 – Conteúdo da ISO 26000

Fonte: Adaptado da ISO 26000

De maneira esquemática e detalhando um pouco mais sua lógica, a figura 12, trazida da norma, demonstra os assuntos das suas principais seções e como estão relacionados.

Figura 12 – Esquema representativo do conteúdo da norma

Fonte: ISO 26000

Percebemos que, na Seção 4, ao se tratar os “sete princípios de responsabilidade social”, estes devem permear as demais seções de cunho mais operacional.

Na Seção 5 a norma orienta as organizações a reconhecerem a sua responsabilidade social e os demais organismos conviventes, que são afetados pelas suas operações.

Já na Seção 6, podemos dizer que aqui temos o coração do próprio documento, quando são elucidados os “temas centrais” pertinentes à responsabilidade social. Expresso nessa seção está o consenso global sobre as expectativas e ações demandadas às organizações, por todas as nações e representantes setoriais que participaram da elaboração da norma.

A internalização da RS na organização é tratada na Seção 7, em que esclarece o desenvolvimento de uma gestão adequada a essa finalidade, que inclui governança, estratégias, treinamentos, comunicação, estabelecimentos de práticas e acompanhamento de resultados.

Experiência com a NBR 16001

Após estudo da ISO 26000 que ainda se encontrava em confecção, como nosso objetivo seria orientar sua aplicabilidade, valemo-nos da experiência de adoção da NBR 16001 pela Anglogold-Ashanti para desenvolvermos sugestões que pudessem indicar caminhos que facilitassem a implementação da ISO.

Para tanto, realizamos um workshop com os responsáveis pela NBR 16001 da empresa, utilizando o questionário do quadro 7.

Quadro 7 – Questionário workshop NBR 16001

Resumidamente, os resultados indicaram as seguintes recomendações de ordem prática:

  • Identidade - Iniciar a aplicação da ISO usando a NBR. Usar o histórico com outros sistemas, pensando na certificação.
  • Integridade - Não causar grandes impactos e que os projetos sejam colocados aos poucos. É importante ressaltar sintonias entre sistemas preexistentes e afins.
  • Potestade - Estabelecer metas na organização como um todo.
  • Inventividade - Comunicação efetiva. Cada um deve entender seu papel. Identificar em cada área o que já é feito normalmente.
  • Potencialidade - Buscar especialistas e ambiente propício para mudanças.
  • Viabilidade - Planejar as verbas. Orçar bem os gastos, que normalmente restringem-se a consultoria, comunicação, auditorias e treinamento interno.
  • Produtividade - É importante fazer um plano definindo macroetapas.

O instrumento

Para desenvolvermos um instrumento que pudesse aferir o nível de adequação das organizações às premissas da norma (Instrumento de Avaliação ISO 26000 – IA26000), foi realizado um trabalho minucioso de depuração do seu conteúdo, quando criamos indicadores baseados especificamente na seção dos “temas centrais de responsabilidade social”, que contém sua essência (ver Anexo G), ou seja:

  • Adequação da governança organizacional
  • Direitos humanos
  • Práticas trabalhistas
  • Meio ambiente
  • Práticas leais de operação
  • Questões relativas ao consumidor
  • Envolvimento com a comunidade e seu desenvolvimento.

Um segundo instrumento também foi desenvolvido, quando concebemos outra alternativa mais simples de aferição da norma, focada nos “princípios” e questões–chave dos “temas centrais” (ver Anexo H).

Um procedimento para aplicação do instrumento

Quanto ao procedimento para aplicação do IA26000, sugerimos o alinhamento das lideranças e especialistas envolvidos na realização das seguintes etapas:

i. Estabelecimento de um agente inoculador, que envolva as funções pertinentes à sustentabilidade e estratégia da organização.

ii. Realização de workshop para esclarecimento do contexto global, da organização, conteúdo da norma e do instrumento.

iii. Elaboração de um plano para responder ao instrumento, definindo envolvidos e prazos em função da realidade da organização.

iv. Análise dos resultados.

v. Posicionamento estratégico da organização quanto às premissas da norma.

vi. Planejamento da adequação da organização à norma, considerando as recomendações da experiência da Anglogold-Ashanti com a NBR 16001.

vii. Adequação da gestão aos encaminhamentos definidos, integrando sistemas e indicadores afins.

viii. Envolvimento das partes interessadas.

ix. Acompanhamento e divulgação da experiência em relevantes fóruns nacionais e internacionais.

Cabe ressaltar que sugerimos esse último item de divulgação por se tratar de uma norma nova que expressa um acordo global sobre a qual diversos setores estão buscando maneiras efetivas de encaminhar sua adoção.

Tabela comparativa de indicadores

Um procedimento que merece destaque, como mencionado nas recomendações anteriores, é a integração de iniciativas que envolvem acordos, sistemas e indicadores afins.

Para termos uma noção dos níveis de coerência e de complementaridade entre as orientações da norma e as de algumas dessas iniciativas mais relevantes no país e exterior, atualizamos parcialmente uma tabela oriunda de um “Manual de Indicadores”, que concebemos em 2004 (ver Anexo I).

As instituições e movimentos considerados foram: Instituto Ethos; Global Report initiative (GRI); Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS); IBASE; Business in the Community (BitC); Fundação Prêmio Nacional da Qualidade (FPNQ); Pacto Global (ONU); Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BOVESPA; Índice Dow Jones; Carbon Disclosure Project (CDP); Carta da Terra e os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ONU).

Orientações presentes nessas iniciativas foram classificadas de acordo com focos específicos, pelas categorias abaixo:

  • Identidade
  • Governança
  • Público interno
  • Pesquisa e desenvolvimento
  • Fornecedores
  • Clientes – consumidores
  • Acionistas
  • Concorrentes
  • Comunidade e sociedade
  • Meio ambiente

Ao analisarmos essas categorias, podemos perceber qual o foco preferencial dado por cada instituição ou movimento incluído no estudo.

Instrumento de Avaliação ISO 26000 (IA26000) – operacionalização

Conforme mencionamos, concebemos dois instrumentos para aferição da norma, um mais completo e outro sintético, mas ambos os casos abordam as questões-chave consideradas em cada um dos “temas centrais de responsabilidade social”, as quais explicitamos:

  • Governança corporativa organizacional – adequação do processo decisório à RS.
  • Direitos humanos - diligência devida; situações de risco; evitar cumplicidade; resolução de queixas; discriminação e grupos vulneráveis; direitos econômicos, sociais e culturais; direitos civis e políticos e princípios e direitos fundamentais no trabalho.
  • Práticas trabalhistas - emprego e relações de trabalho; condições de trabalho e proteção social; saúde e segurança; diálogo social e desenvolvimento humano e treinamento.
  • Meio ambiente - prevenção da poluição; uso sustentável de recursos; mitigação e adaptação às mudanças climáticas; proteção do meio ambiente e da biodiversidade e restauração de hábitat naturais.
  • Práticas leais de operação - práticas anticorrupção; envolvimento político responsável; concorrência leal; promoção da responsabilidade social na cadeia de valor e respeito ao direito de propriedade.
  • Questões relativas ao consumidor - marketing e práticas contratuais justos; proteção à saúde e segurança; consumo sustentável; atendimento e suporte; proteção e privacidade dos dados; acesso a serviços essenciais; educação e conscientização.
  • Desenvolvimento comunitário – envolvimento; educação e cultura; geração de emprego e capacitação; desenvolvimento tecnológico e acesso às tecnologias; geração de riqueza e renda; saúde; investimento social.

Os dois questionários são autoexplicativos e aferem a aplicabilidade, a relevância para o negócio e o nível de sistematização da gestão das orientações contidas nos temas centrais.

Sobre seu preenchimento, pode ser individual e/ou em grupo, devendo ser envolvidos lideranças e especialistas que tenham relação direta com os temas tratados, de acordo com a gestão de cada organização.

Conclusão

Conforme comentado no capítulo dos “Temas Emergentes”, entendemos a ISO 26000 como um grande consenso global do que seja Responsabilidade Social. Como um documento de diretrizes, fez parte dos acordos para sua confecção não torná-la uma norma passível de certificação, o que ainda suscita muitas dúvidas. Mas no mundo organizacional a atividade de gestão exige estratégias, metas, indicadores e auditorias para se compreender e orientar a efetividade de decisões. No tocante à RS, o Instrumento de Avaliação ISO 26000 permite à organização compreender e se posicionar sobre o conteúdo inerente à norma.

Ao utilizarmos o instrumento 1 em duas grandes empresas dos setores petroquímico e siderurgia, seus resultados mostraram que 78,5 % dos indicadores era aplicável às duas empresas e 65% eram relevantes. Os que não se aplicavam eram referentes às características do negócio. Mais de 65% dos indicadores já eram bem desenvolvidos na gestão de ambas as empresas.

Esses resultados confirmam o elevado nível de concretude que tem a norma, e que no mundo das grandes organizações muitas das expectativas contidas em seu texto já são realidade.

Entre 2011 e 2012 também realizamos uma série de workshops sobre a aplicabilidade da ISO 26000 em eventos distintos, em que o instrumento serviu de base para concepção dos exercícios.

Esses eventos envolveram um elevado número de empresas de setores distintos, que também conseguiram obter uma sensibilidade sobre o conteúdo e nível de concretude da norma, ratificando nossos resultados de operacionalidade do instrumento 1.

O instrumento 2, mais simples, foi apresentado em uma empresa do setor de siderurgia em grupo responsável pelo tema, quando houve um reconhecimento da sua possibilidade de auxiliar a organização em adequar a sua estratégia à norma.

Finalmente, enfatizamos que, em sua essência, a norma promove a emergência de “organizações conscientes” que intensificam e qualificam pela ética e integridade as consequências do seu existir nas interações com todos os demais organismos conviventes em seu contexto particular. Essa postura exige das lideranças decisões e revisões na percepção de mundo, na razão de ser das organizações e dos mercados, enquanto inseridos em biossistemas mais complexos como nas sociedades e na natureza.

Torna-se cada vez mais frequente escutarmos expressões que afirmam estarmos em um “mundo pequeno”. As facilidades proporcionadas pelas tecnologias midiáticas proporcionaram essa sensação. Por outro lado, é premente ampliarmos nossa absorção deste mundo, ou seja, perceber que estamos diante de dilemas globais, como abordados, em que cada “mundo particular” tem sua parcela de contribuição no encaminhamento das soluções demandadas à nossa geração.